Desenvolvimento do Ouvido Sensorial

ALGUNS DADOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO OUVIDO SENSORIAL NO MÉTODO WILLEMS

  • Por Carmen Mettig Rocha

(Tradução resumida do histórico do folheto “Notice Explicative” do Prof. Jacques Chapuis, sobre a criação do “Carrillon Intratonale Marque Pro Música”)

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É indispensável informar aos educadores musicais a importância que o pedagogo Edgar Willems conferiu sempre ao desenvolvimento da audição. Desde 1962 ele propõe um trabalho com o movimento sonoro integral, denominado Pancromatismo. Este pancromatismo, dizia ele, é encontrado na vida humana mesmo, na voz dos animais, nos ruídos do vento, do mar, no canto dos pássaros, na pré-linguagem das crianças, nas inflexões da voz, nos ruídos das máquinas.

Para esse trabalho de desenvolvimento auditivo sensorial inicial, Willems preconizou o uso de instrumentos, a começar pela voz, a flauta de êmbolo, (apitolino) também chamada flauta ‘à coulisse’ e a sirene, abrindo para a criança um mundo acústico mais amplo do que o utilizado correntemente. Interessante foi como o pedagogo descobriu esse aspecto do pancromatismo, contado por ele no seu livro Oreille Musicale II. Através do trabalho com um aluno, tentando fazer com que ele cantasse afinado um intervalo dado, percebeu que o aluno cantava um outro som, próximo daquele que ele pedia mas não exatamente o mesmo. Era um som que se encontrava entre as notas. Assim, ele se achou na obrigação de estudar esse som, aliás, os muitos sons existentes entre os já pré-estabelecidos.

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A esse trabalho, chamou espaço intratonal (entre os tons). Não somente os 1/2 e 1/4 de tom, mas outros mais sutis. Assim, entre DO e RE, por exemplo, existia uma sucessão ininterrupta de vibrações, resultando um grande número de possibilidades sonoras.

Compreendeu Willems que esse trabalho auditivo estava baseado no poder separador do ouvido. Como um certo número de pessoas consegue discriminar a gradação sutil de cores que outras não percebem, assim também acontece com o ouvido. Um ouvido sutil pode perceber a diferença de 1/100 de tom, enquanto outros só conseguem perceber 1/4 ou 1/8 do tom.

Em 1927, graças a seu sentido prático, sua habilidade manual e sua dedicação ao trabalho pedagógico, o professor Willems construiu os primeiros sinos intratonais (série de 9, 10, 17 sinos, na distância de 1 tom). Em 1970, criou o audiômetro intratonal, afinado em 1/100 de tom, e mais tarde em 1/200 de tom. Em 1931, construiu o sonômetro, com os dados fornecidos pelo acústico , numa inspiração do monocórdio de Pitágoras. Com esses aparelhos, Willems teve a possibilidade de estudar o ouvido puramente sensorial sem a interferência da afetividade e da inteligência. Estas pesquisas do som não foram logo totalmente aceitas e certos musicistas professores preferiram por muito tempo acreditar no mistério do “dom musical”, conservando certos tabus.

Nesta mesma época, um psicólogo nos Estados Unidos, o psicólogo Seashore, autor de um livro sobre a psicologia do talento musical, utilizou também discos, apresentando a divisão do tom para o desenvolvimento da acuidade auditiva e Maurice Martenot criou o aparelho de “ondas”, que também permitia o movimento sonoro pancromático e a divisão do tom em distâncias mínimas. Outro “ondista”, Clément, consegue perceber 1/50 de tom, o que permitiu realizar testes audiométricos com seus alunos. Dezenas de anos mais tarde, o progresso da eletro-acústica já nos permite a divisão do som ao infinito…

Os sininhos intratonais, desde que foram apresentados, começaram a ter excelente aceitação e inúmeras encomendas foram feitas. Como eram de metal, eram ricos em sons harmônicos e cada vez se tornava mais difícil a sua afinação, pois esse trabalho era realizado “de ouvido”, levando centenas de horas para se afinar precisamente as séries de 9 ou 17 sinos na distância de 1 tom (embora, diga Willems, um excelente exercício para o próprio ouvido). Foi daí que ele pensou em procurar uma maneira mais prática de fabricar um instrumento transportável e de maior precisão na afinação.

Para Willems, existem diferentes tipos de afinação que devem ser conhecidos pelos educadores e alunos:

– afinação natural (atrativa) – a melódica

– afinação expressiva (dinâmica, relativa) – a artística

– afinação temperada (equilibrada, neutra) – a harmônica

– afinação caricaturada (humorística)

Ele quis então criar um instrumento que além de permitir o exercício auditivo, pudesse ter fácil aplicação na sala de aula, oferecendo o máximo de possibilidades pedagógicas.

O primeiro carrilhão intratonal, imitando o sistema dos sininhos, foi construído por M. Dollet na França, afinado no sistema temperado de 1/1, 1/2, 1/4 1 1/6 de tom. Um segundo carrilhão do mesmo tipo foi introduzido por Mme. Décitre, apresentando a coma pitagórica de 1/9 de tom.

O objetivo principal do mais recente carrilhão intratonal, construído pela Pró Música e utilizado hoje nas classes coletivas, na Escola de Música, nos cursos de formação de professores e mesmo para o auto-treinamento, é propiciar o “ouvir” e o “apreciar” de forma clara e precisa as diferenças sutis de altura.

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Em lugar de se limitar à distância de 1 tom (SOL LA) com 17 lâminas em 1/16 de tom como os anteriores, o carrilhão atual conta com 24 lâminas de tamanho igual, afinadas em formas diferentes na distância de SOL2 – DO3 sobre a base do tetracorde SOL LA SI DO, possibilitando variados exercícios.

Em Lyon, em julho do ano passado, durante o Congresso Internacional Willems, pude apreciar a aplicação deste maravilhoso instrumento com crianças, pelo professor Chapuis, grande musicista, pedagogo e atual presidente da Associação Internacional Willems. Adquiri um carrilhão para treinamento pessoal e para aplicação com meus futuros professores e alunos.

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Carmen Mettig Rocha e o professor Jacques Chapuis
em Salvador, Bahia.

Nosso trabalho aqui na Bahia com o Método Willems tem crescido e os jovens alunos tentam dar sua contribuição pessoal à grande obra Willemsiana.

Assim, por exemplo, posso citar o aluno Roberto Luis Castro, já formado em Composição e Regência pela Escola de Música da UFBa e atualmente meu aluno no curso de Licenciatura em Música na mesma escola. Seu interesse e talento para construção de instrumentos (trabalho que vem sendo realizado ao longo desses anos), me levou a encomendar-lhe todos os metalofones que são há muito tempo utilizados nos cursos de Iniciação Musical da nossa escola. Neste ano fiz-lhe o pedido de construir outros tipos de metalofones como por exemplo:

– um metalofone cromático de DO a DO com todas as lâminas do mesmo tamanho e posicionadas lado a lado;

– um metalofone cromático de DO a DO com lâminas soltas, individuais;

– um metalofone em 1/4 de tom de DO a DO – 25 lâminas de tamanhos iguais;

– idem com xilofones.

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Bloco individual do kit, com o intervalo de uma oitava (C5-C6)

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Há um mês passado, Roberto trouxe-me para aula uma pequena caixa de madeira, ladeada de lâminas metálicas, contendo no interior uma bolinha, que quando sacudida produzia um intervalo de 5ª justa. Quando ouvi, logo imaginei uma possibilidade de trabalhar os intervalos musicais. Trocamos algumas idéias e então ele partiu para a construção de caixinhas com todos os intervalos e esta semana me entregou o “KIT INTERVALAR”, que será experimentado aqui e depois enviado para a apreciação do professor Jacques Chapuis, como uma contribuição nossa ao Método Willems.

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Logo adiante (*) o próprio Roberto dará algumas explicações sobre os metalofones e na ocasião dos IX Seminários Internacionais de Música, que acontecerão em agosto, na Escola de Música da UFBa, assim como no I Encontro de Vivências Musicais, que será promovido pela Associação dos Professores de Educação Musical da Bahia em setembro próximo. Trabalharemos com esses materiais, oportunizando o conhecimento dos mesmos e a comprovação de sua eficiente qualidade para desenvolver o ouvido musical de nossos alunos.

Os interessados em aprofundar seus conhecimentos sobre afinação e espaço intratonal devem procurar os livros de Edgar Willems:

– Oreille Musicale I e II

– Bases Psicológicas da Educação Musical

– Le Valeur Humaine de L’Education Musicale

CARMEN METTIG ROCHA

Artigo publicado originalmente no boletim da APEMBA – Associação dos Professores de Educação Musical da Bahia (1991)

(*) Links:

http://www.construindoosom.org/kit-de-intervalos/

http://www.construindoosom.org/metalofone-microcromatico/

http://www.construindoosom.org/metalofone-cromatico-especial/

http://www.construindoosom.org/?s=viv%C3%AAncias+musicais

METALOFONE EM QUARTOS DE TOM

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